Os ensinamentos de Jesus
registrados nos Evangelhos são lidos e interpretados, no âmbito religioso, como
fonte de sabedoria espiritual e guia de salvação. No entanto, a escritora
Amy-Jill Levine propõe uma reflexão ainda mais profunda sobre o assunto, a fim
de que se possa aprender ainda mais com o Filho de Deus.
“’A religião foi projetada
para confortar os aflitos e afligir os confortáveis’. As parábolas de Jesus –
contos com lições de moral – também foram projetadas para afligir, para nos
atrair, mas nos deixa desconfortáveis. Esses ensinamentos podem ser lidos como
sendo sobre o amor divino e a salvação, com certeza. Mas, os seus primeiros
ouvintes – judeus do primeiro século na Galiléia e na Judéia – ouviram
mensagens muito mais desafiadoras. Só quando ouvimos as parábolas como o
público de Jesus fez, podemos experimentar plenamente o seu poder e nos
encontramos surpresos e desafiados nos dias de hoje”, opinou a escritora,
autora do livro “Short Stories by Jesus: The Enigmatic Parables of a
Controversial Rabbi” (“Contos de Jesus: as enigmáticas parábolas de um rabino
controverso”, em tradução livre), e professora do Novo Testamento e Estudos
Judaicos das universidades Vanderbilt Divinity School e College of Arts and
Sciences.
O artigo de Levine foi
publicado pela CNN e propõe reflexões mais extensas e intensas sobre quatro
parábolas de Jesus, pregadas ao povo judeu há mais de dois mil anos.
A “Parábola do Filho Pródigo”
“Esta parábola é geralmente
visto como uma história de como o nosso ‘Pai do céu’ nos ama independentemente
de como nossas ações sejam desprezíveis. Esta é uma mensagem bonita, e eu não
gostaria de descartá-la. Não é, porém, o que judeus do primeiro século teriam
entendido. O público judeu de Jesus já sabia que o seu ‘Pai do Céu’ sabe amar,
perdoar e ser compassivo.
É Lucas que configura uma
mensagem de arrependimento e de perdão. Lucas prefacia nossa parábola com duas
outras parábolas mais curtas: a da ovelha perdida e da moeda perdida. O
evangelista conclui-lhes: ‘Haverá mais alegria no céu por um pecador que se
arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de
arrependimento’.
Mas isso é realmente isso o
que as parábolas querem dizer? Jesus não estava falando sobre o pecado ovino ou
ganância; As ovelhas não se sentem culpadas e moedas não se arrependem. Além
disso, o homem perde as ovelhas; a mulher perde a sua moeda. Mas Deus não ‘nos
perde’.
As duas primeiras parábolas
não são sobre arrependimento e perdão. Eles estão prestes a contar: o pastor
notou uma ovelha faltando em 100, e a mulher percebeu uma moeda faltando 10. E
eles procuraram, encontraram, se alegraram e comemoraram. Ao fazer isso, eles
montaram a terceira parábola.
A história do filho pródigo
começa assim: ‘Havia um homem que tinha dois filhos…’ Se nos concentrarmos em
um filho pródigo, nós falhamos em compreender a abertura. Cada judeu
biblicamente letrado sabe que se houver dois filhos, o mais novo é mencionado
primeiro: Abel antes de Caim, Isaque antes de Ismael, Jacó e Esaú, Efraim e
Manassés.
Mas as parábolas nunca são do
jeito que queremos. Nós não podemos nos identificar com o caçula, que
‘desperdiçou tudo o que tinha na vida dissoluta’.
Em seguida, se vemos com
surpresa o fato de o pai acolher o caçula em sua casa, nós novamente falhamos
em nossa interpretação. O pai simplesmente está encantado que o caçula voltou:
Ele se alegra e dá uma festa. Se pararmos aqui, nós não captamos a moral da
história.
O irmão mais velho – lembram
dele? – ouve música e dança. Seu pai tinha tempo suficiente para contratar a
banda e o fornecedor, mas ele nunca procurou seu filho mais velho. Ele tinha
dois filhos, e ele não contava.
Nossa parábola é menos sobre
perdão e mais sobre a importância, e faz com que todos sejam vistos assim. A
quem nós perdemos? Se não contar, pode ser tarde demais”.
A “Parábola do Bom Samaritano”
“Nosso entendimento usual
desta famosa história se perde de várias maneiras. Aqui estão duas.
Em primeiro lugar, os leitores
presumem que o sacerdote e o levita ignoram o andarilho ferido porque eles
estão tentando evitar tornar-se ‘impuro’. Não faz sentido. Essa interpretação
não faria a lei judaica soar má. Na parábola, o pregador não está subindo para
Jerusalém, onde a pureza seria uma preocupação, ele está ‘descendo’ para
Jericó.
Nenhuma lei impede os levitas
de tocar em cadáveres, e há inúmeras outras razões pelas quais a pureza ritual
não é relevante aqui. Jesus menciona o sacerdote e o levita porque eles
representam uma terceira categoria: os israelitas. Para citar os dois primeiros
é preciso invocar o terceiro.
Se eu disser: ‘Pedro, Tiago e
João…’ você provavelmente vai completar com ‘…no barquinho’. No entanto, para
entender a contraposição que seria feita com o samaritano, era preciso situar
os ouvintes sobre quem os religiosos representavam.
Essa analogia nos leva à
segunda leitura errada. A parábola é muitas vezes vista como uma história de
como a minoria oprimida – imigrantes, gays, pessoas em liberdade condicional –
são ‘boas’ e, portanto, devemos verificar os nossos preconceitos. Samaritanos,
então, não eram a minoria oprimida: eles eram o inimigo. Sabemos que isso não é
relatado apenas pelos historiadores, mas também por Lucas, o evangelista.
Apenas um capítulo antes de
nossa parábola, Jesus procura hospedagem em uma aldeia samaritana, mas eles se
recusam a recebê-lo. Além disso, Samaria tinha outro nome: Siquém. Em Siquém, a
filha de Jacó é estuprada ou seduzida pelo príncipe local. Em Siquém, o juiz
assassino Abimeleque se refugia.
Nesse contexto, se somos a
pessoa que está na vala, e vemos o samaritano, nosso primeiro pensamento é que
o samaritano ‘vai nos estuprar, nos matar’. Então percebemos: Nosso inimigo
pode ser a pessoa que vai nos salvar. Na verdade, se nós simplesmente
perguntarmos ‘onde está Samaria hoje?’, podemos ver a importância dessa
parábola para a crise israel/palestina”.
A “Parábola dos trabalhadores
da vinha”
“Esta parábola conta a
história de uma série de trabalhadores que começam a trabalhar em diversos
horários do dia, mas o proprietário os paga o mesmo valor. A parábola é, por
vezes, lida com uma lente anti-judaica, de modo que os primeiros contratados
são os ‘judeus’ que se ressentem dos gentios ou pecadores que entram na vinha
de Deus. Novamente, não faz sentido.
Os primeiros ouvintes de Jesus
não ouviam uma parábola sobre a salvação em vida após a morte, mas sobre a
economia no presente. Eles ouviram uma lição sobre como os empregados devem
falar em nome daqueles que não têm um salário diário.
Eles também descobriram um
aviso para as pessoas com recursos: dividam com aqueles que não têm emprego, e
garantam que todos tenham o que é necessário. Jesus não inventou essa idéia de
defesa dos desempregados e de partilha de recursos. As mesmas preocupações
ocorrem na tradição judaica do rei Davi em diante. Mas, a menos que saibamos as
fontes bíblicas e históricas, mais uma vez, vamos entender mal a parábola”.
A “Parábola da Pérola de
Grande Valor”
“Esta parábola descreve um
homem que vende de tudo, a fim de obter a sua pérola valorizada. Geralmente nos
é contada como uma alegoria que quer nos ensinar sobre a centralidade da fé, ou
a igreja, ou Jesus, ou o Reino dos Céus.
Mas os comentaristas não
conseguem concluir o que a pérola representa. Talvez eles estejam procurando no
lugar errado. Nós não reconhecemos o absurdo inicial da parábola hoje – o
comerciante (um atacadista que nos vende o que não precisamos a um preço que
não podemos pagar) vende tudo o que tem por uma pérola.
Ele não pode comê-la, ou
sentar-se nela; ele não vai cobrir muito de seu corpo se usar somente a pérola.
Mas, ele acha que esta pérola irá satisfazê-lo.
E se a parábola nos desafia a
determinar nossa própria pérola de grande valor? Se sabemos qual é a nossa
última preocupação, devemos ser menos gananciosos. Não vamos suar as pequenas
coisas.
Mais: nós nos tornamos mais
capazes de amar o nosso próximo, porque nós sabemos o que é mais importante
para eles.
Os contos de Jesus
provocam-nos, porque eles nos dizem que, de alguma forma, já sabemos qual é a
verdade, mas não queremos reconhecê-la. Eu não sou cristã, mas eu ouço as
mensagens profundas nessas parábolas. Se eu como uma pessoa de foram que pode
ser tão comovida com as histórias de Jesus, e certamente as pessoas que o
adoram como Senhor e Salvador pode apreciá-los ainda mais”.