Elas
contam por que largaram emprego, família e abriram mão da vida sexual para
seguir um homem que diz ser a reencarnação de Jesus Cristo
Inri
Cristo, 69 anos, é famoso. Não recusa convites para participar de programas
humorísticos, já fez ponta em uma peça de teatro e concede entrevistas nas
quais, em geral, é tratado como piada. Vestido em túnica branca e com coroa de
espinhos de plástico, se apresenta como a reencarnação de Jesus Cristo.
Ergueu
um culto ao redor de si mesmo e está sempre acompanhado de mulheres sorridentes
que usam vestidos longos azuis e maquiagem. Na web, elas ficaram conhecidas por
fazer clipes com paródias místicas de músicas pop.
Para
além do humor, pouco se sabe sobre elas. Pode não parecer, mas seguir Inri
Cristo é sério para quem faz essa escolha de vida. A rotina dessas mulheres,
inclusive, envolve muitos segredos e perguntas sem respostas.
Elas
dividem com o “messias” uma casa construída no Núcleo Rural Casa Grande (DF),
área rural do Gama, a 30km do Plano Piloto. O terreno de 20 mil m² abriga o
reino de Deus na Terra — ou pelo menos é nisso que acreditam os habitantes da
Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade (Soust), fundada em 1986 por
Álvaro Inri Cristo Thais.
Dezenas
de mulheres — e homens, em menor quantidade — entregaram por livre arbítrio
seus destinos nas mãos dele. Abdicaram de uma vida sexual (o celibato é umas
das regras), abandonaram suas famílias e profissões para viver numa comunidade
onde ele, que tem o dobro da idade da maioria delas, dita as regras.
Inri
diz como elas devem se vestir, agir, pensar, se alimentar e até a maneira de se
limpar depois de ir ao banheiro — o uso de papel higiênico ali é abolido,
somente água purifica.
Obediência
é um dos princípios básicos para quem decide integrar a Soust. As seguidoras
precisam estar dispostas a fazer todo o serviço doméstico, além de cortar os
cabelos e as unhas dos pés de Inri.
Consideram-se
uma família, na qual todos trabalham “pelo bem comum e pelo amor”. Qualquer
insubordinação, porém, pode ser punida com castigos que elas chamam de
“disciplinas” — a retaliação pode ser lavar a louça ou a salada do dia, por
exemplo.
As
moradoras aceitaram também que o “messias” lhes desse um novo nome. Assinoê,
Ádri, Alara, Alysluz e Adeí são alguns exemplos. Todos começam com a letra “a”.
“As mulheres ficaram do meu lado na cruz, o uso da letra é uma homenagem a
elas. Quem determina os nomes é o meu pai (Deus)”, explica Inri.
O
líder do grupo justifica o fato de viver cercado do sexo feminino e diz que a
relação é de um pai com suas filhas. “Muitos querem viver aqui, mas poucos são
os escolhidos. É preciso reconhecer quem eu sou (Jesus) e as mulheres têm mais
sensibilidade”, afirma. Com homens, segundo Inri, o processo é mais complicado.
“Eles têm mais dificuldade em provar que acreditam verdadeiramente em mim.”
As
seguidoras, em geral, passaram dos 30 anos e vieram de várias partes do
Brasil, mas especialmente do Rio Grande do Sul, onde Inri começou sua carreira
como líder religioso. Não saem sozinhas e só as que atendem pedidos de
entrevistas têm telefone liberado. O contato delas com as pessoas que vivem lá
fora é motivo de reprovação, caso não seja em atividades relativas à Soust.
Os
parentes biológicos podem receber notícias ou fazer visitas, mas qualquer meio
de comunicação deve ser autorizado por Inri. “A princípio, meus genitores
questionaram minha decisão, todavia, acredito que hoje compreendem a escolha que
fiz”, afirma a discípula Ádri.
Ádri
admite que se sente vigiada, mas não acha que isso seja um problema. Para ela,
os que vivem fora dos muros da Soust é que estão presos. “Somos nós que abrimos
a porta aos que estão na prisão, que é o mundo caótico onde a maioria vive,
para que adentrem os domínios da Soust. Somos livres não apenas fisicamente,
mas espiritualmente”, diz.
Nós
não almejamos ir a lugar nenhum, pois Inri nos ensinou a sermos felizes em
nossa própria companhia"
Ádri
Na
pesquisa “Inri Cristo e seus discípulos: um estudo sociológico das motivações
na adesão ao movimento messiânico”, o doutor em ciências da religião Edson
Martins, da Universidade Metodista de São Paulo, relatou que a maior parte dos
seguidores era pouco instruída e de baixa renda.
“Em
movimentos como o do Inri, essas pessoas sentem-se em um espaço privilegiado,
onde eles podem ser alguém, individualizados, adquirindo um reconhecimento
social que não possuíam, fortalecendo a autoestima, sentindo-se valorizados e
encontrando um sentido para a vida e razão para viver”, afirma o doutor em
ciências da religião.
O
advogado criminalista Euro Bento levanta algumas questões sobre a legalidade do
que ocorre na Soust. “Seria preciso um inquérito policial para avaliar até que
ponto essas mulheres são livres e se ele engana as pessoas que doam dinheiro
com promessas de cura ou de salvação, isso seria charlatanismo e há pena
prevista em lei”, afirma Euro Bento.
Para
os discípulos, a casa no Gama é o Éden e isso é tudo que importa. “A Soust é um
país místico no interior do Brasil. Conforme a revelação que Inri recebeu do
pai, Brasília é a Nova Jerusalém do Apocalipse”, explica Ádri.
O
“Éden” de Inri, entretanto, é cercado de arames farpados e câmeras de
vigilância. Tem, inclusive, uma torre de observação para avistar quem chega.
Homens com rádios para a comunicação fazem a segurança do local. Aparentemente,
só a proteção divina não basta.
Há
armas de fogo na casa de Jesus. Os moradores carregam revólveres, que, segundo
eles, estão dentro da lei. As armas foram compradas após um ataque aos
discípulos, afirma Inri Cristo em entrevistas, sem revelar o modelo nem o
número de registro delas.
Logo
na chegada ao terreno onde moram, uma placa com uma caveira desenhada traz o
aviso: “As asas do azar, da desgraça e da morte roçarão a vida dos que
transgredirem a lei do silêncio quebrando a paz da casa do senhor”. O “messias”
e suas seguidoras são vizinhos de muitas casas de festa, o que frequentemente
torna-se um problema para quem gosta de sossego.
Eloneida
Maria vive em frente ao terreno. Relata que Inri recebe muitas visitas, mas que
os moradores de sua casa são silenciosos. Só fazem barulho nos domingos à
noite, quando jogam sinuca e bebem (o álcool não é proibido). “As moças nunca
estão sozinhas, só saem em uma van com vidro escuro. Não pode ser normal viver
assim, sem socializar com o mundo”, opina.
O
paraíso brasiliense é guardado a sete chaves. Inri Cristo não permite visitas
aos dormitórios — que podem ser individuais ou coletivos — nem a áreas da casa
fora do espaço onde dá entrevistas, um salão externo com altar montado. “Quer
conhecer uma pessoa? Veja seu habitat”, diz, ao recusar acesso da reportagem à
casa.
Tudo
ali é mantido por meio de doações, segundo Inri, vindas de pessoas a quem ele
chama de “beneméritos”. O todo-poderoso não revela exatamente de onde vem o
dinheiro necessário para sustentar os cerca de 20 moradores da Soust.
Um
imóvel parecido com esse pode custar mais de R$ 1 milhão, segundo anúncios
feitos na região. Para comprar a casa, Inri Cristo vendeu bens em Curitiba
(PR), onde vivia anteriormente. Um deles aparece na internet com preço de R$
100 mil. Com esse patrimônio, comprou a casa na área rural do Gama, em 2006 —
naquela época o valor era bem menor do que hoje. Ele não revela, entretanto,
quanto pagou pela casa.
A
falta de transparência é padrão em várias entidades religiosas. A Soust, por
exemplo, rejeita o título de religião, mas tem CNPJ de igreja e isenção de
impostos. “Doações são a caixa preta de toda e qualquer igreja. Elas não pagam
à Receita Federal, mas devem declarar o que recebem. Nem sempre o fazem, por
isso tanto segredo”, explica o advogado Euro Bento Maciel Filho.
Inri
Cristo nasceu em Indaial (SC). Diz ter sido entregue por uma parteira a um
casal de agricultores. Inri estudou durante apenas três anos em uma escola
formal, onde foi alfabetizado. “Me formei em sociologia na vida, nesse
laboratório com cobaias vivas. O que se ensina nas faculdades é ultrapassado”,
diz.
Álvaro
Thais passou a reivindicar o direito de ser chamado de Inri (acrônimo de Rei
dos Judeus, que estava escrito na cruz) Cristo. Brigou durante 15 anos na
Justiça do Paraná, que o acusava de falsidade ideológica, até que ganhou
autorização para incluir o nome em sua identidade oficialmente. Nesse meio
tempo, invadiu igrejas para discursar, foi preso e expulso de vários países por
onde passou com sua pregação.
Vinde
a mim as criancinhas
Inri afirma que menores de 21 anos não podem viver na Soust, mas há quem tenha
crescido ali. Fotos mostram Alara Radar, uma das discípulas mais atuantes nas
redes sociais, ainda criança recebendo bênçãos de Inri.
Alara
mudou-se quando era um bebê para a sede da Soust, que ficava em Curitiba, com
os pais. A mãe dela era uma costureira de calçados que viu Inri Cristo na TV e
encantou-se por aquele homem que dizia ser Jesus.
“Eles
se mudaram e nunca mais tivemos contato, pois o Inri não deixa”, diz uma tia de
Alara, Aparecida Nascimento, localizada pela reportagem. Não há informação
sobre o paradeiro dos pais biológicos de Alara, a quem o Metrópoles pediu
entrevista, mas não teve resposta.
Outra
seguidora, que ganhou o nome de Adeí Schmidt, 37 anos, conheceu Inri aos 12,
acompanhada da mãe. Aos 13, já viajava sozinha com ele, com autorização da
família. Após completar a maioridade, foi viver definitivamente na Soust.
“Tinha 19 anos e era o momento de entrar pra faculdade, mas escolhi seguir Inri
Cristo. Na Soust estudei línguas, filosofia e aprendo os ensinamentos de Inri”,
afirma.
Sou
livre dentro da minha realidade, o que Inri nos ensina é a liberdade consciêncial"
Adeí
Schmidt
As
portas da Soust nunca estão destrancadas, mas podem ser abertas a qualquer
momento, segundo Inri Cristo. Quem desejar deixar a entidade precisa apenas
comunicar a decisão.
Discípulos
também podem ser expulsos. Há relatos de cerimônias em que as túnicas dos
desertores são queimadas. Quem sai não pode mais voltar. “Do muro para fora,
estão sozinhos, eu não me responsabilizo pelo que fazem fora daqui”, afirma o
homem que diz ser Jesus Cristo.
A
definição de distopia ajuda a entender a sensação de estar presente nessa
realidade alternativa. A palavra quer dizer “lugar ou estado imaginário em que
se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; antiutopia”. O
modo como vivem as discípulas de Inri Cristo é parte de uma história real, mas
que poderia ser enredo de ficção. Filme de terror para alguns, comédia na visão
de outros.
Fonte: Metrópoles