Eles vestem calça jeans e camisa. Elas, saia
e blusa. Não se oferecem para ler a mão e nem tampouco estão carregados de
joias. Em Campo Grande, na região da avenida Guaicurus, um acampamento de seis
famílias de ciganos pode ser visto de longe, pelas tendas armadas. No meio da
manhã, em horário de expediente, o Lado B encontra, por acaso, o mais
inusitado casal, Fábio e Paola deixaram de lado o que pregam hoje como
idolatria e passaram a ser “servos de Deus”, como se apresentam. Pouco comum no
meio, eles viraram evangélicos em meio ao estilo de vida em que nasceram.
Eles não se abrem de imediato. Sondam um
pouco até que começam a contar a própria história. Com um costume patriarca, é
o chefe da família, Fábio Aristides de 34 anos, quem primeiro narra toda a
trajetória. Há três meses na Capital, eles passaram um ano em Caarapó e antes
disso estiveram em Cascavel, no estado natal dele e da esposa, Paola Aristides,
de 29 anos.
É mais fácil perguntar onde o casal não
esteve. Da região Sul até Rondônia eles já passaram. Mas o divisor de águas foi
há um ano, em Caarapó, quando o casal se converteu sem deixar de lado as
raízes. “Antes a gente olhava a sorte, mas Deus chamou e numa graça, eu
abandonei pela Bíblia”, testemunha ele.
O depoimento segue as palavras de qualquer
religioso que tenha se encontrado na igreja. No entanto, a gente custa a
acreditar que ouve o relato dentro de um acampamento cigano. É mais uma quebra
de estereótipo que está mais enraizado em quem está de fora, do no sangue
cigano.
“Eu dobrei meu joelho e pedi para Deus me
libertar da idolatria, que eu queria misericórdia da minha alma depois da
morte. Entrei na igreja e pedi um sinal pra Deus me chamar e ele me chamou
pelas águas do santo batismo. Com a minha esposa, Deus chamou por um hino em
sonho ‘Avantes do senhor, sem temer’ e ela nunca mais leu a mão de ninguém”.
Os dois que antes eram casados pela palavra,
que no mundo cigano tem mais valor do que qualquer papel assinado, tiveram de
passar pelo cartório depois de 11 anos como marido e mulher perante os
costumes. A justificativa deles é que continuar como estavam era permanecer em
‘furnicação’.
Parte da conversa corre em português, no
entanto, as frases ora são ditas em ‘romani’, o dialeto cigano, muito antigo,
com palavras que lembram o grego, ou só parecem mesmo para quem ouve. “Somos
uma família romani, nossos avós eram da Romênia, mas nós somos brasileiros,
eles foram falecendo e ficou a geração de hoje”, conta.
O modo de vida deles não é particular do
casal por ser evangélico. Embora a profissão mais masculina, de vendedor de
roupas de cama, venha se encaixando nelas, é ainda pouco comum ver as mulheres
fazendo algo que não seja a leitura de mãos. O costume é enraizado neles como o
sangue cigano. “Como vai ser cigana se não lê a mão? Não é cigano. Nós, na
verdade, somos evangélicos. Antes éramos ciganos, hoje somos um servo de Deus”,
argumenta.
Fábio diz a todo momento que a vida de agora
é diferente. Ele, a mulher e os dois filhos, de 3 e 6 anos, aguardam uma casa
que, segundo ele, virá pela graça de Deus. O tempo em que moraram em Caarapó,
eles alugaram casa. A vontade de voltar para quatro paredes é maior da parte
dele.
“Nossa vida é muito sofrida, nós viajamos
muito. Onde chega arma barraca e as pessoas não deixam a gente ficar. Eles não
sabem que dentro da gente tem um coração que ama também. Já chegamos em lugar
que meus filhos estavam com sede e não deixaram eu pegar água”, desabafa.
Não é só por isso, mas Fábio não detalha
todos os motivos de querer uma casa fixa. Questionado se iria conseguir parar
nela, ele já adianta “eu vou ter a minha, mas vou passar uns dois ou três dias
fora, vendendo”.
A definição de cigano por ele vem da palavra,
coisa escutada dos pais e avós já que o rapaz nunca frequentou escola que não
fosse debaixo de tenda. “Ciganos, siga por anos, eles andam sem parar. Um
cigano tem aquilo na veia. De vender, viajar e não aguentar ficar parado num
lugar. Eu tenho orgulho e gosto muito das tradições”, resume.
A mulher dele, reservada ao extremo se
pronuncia para defender que “quem está nessa vida, se ficar parado, fica doente.
Eu em Caarapó não aguentava mais”.
Evangélica por influência do marido e depois
do chamado de Deus, ela fala que quando foi procurar o que lhe faltava, ouviu
do meio que aquilo não era para ela, não era para ciganos.
“Ser cigano tem o lado bom, somos pessoas
livres, vocês, a sociedade prende muito. Tem que estudar, se formar, arrumar
emprego. O que é ser cigano? Para mim, sinceramente não sei”.
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