Processo de evangelização teria começado em
1965, contam índios.
Bebidas, danças e vestimentas tradicionais foram abdicados em aldeia.
Bebidas, danças e vestimentas tradicionais foram abdicados em aldeia.
Indígena Zila
Santos lendo a bíblia durante o culto na aldeia Kumenê (Foto: Abinoan
Santiago/G1)
A aldeia Kumenê, que fica na
reserva Uaçá, em Oiapoque, a 590 quilômetros de Macapá, é uma das
mais isoladas comunidades indígenas no extremo norte do país. Para chegar a
tribo da etnia Palikuré é necessário navegar ao menos 20 horas por três rios do Amapá. Apesar de localizada em
meio a selva amazônica, a aldeia sofreu influência da chamada “cultura do homem
branco”, segundo o cacique Azarias Ioio Iaparrá, de 50 anos. Uma delas foi a
incorporação do protestantismo. “Somos evangélicos. A maioria da aldeia é
crente”, resumiu o líder indígena.
Antes adeptos da cultura em
que o Deus era a natureza, os índios da aldeia Kumenê passaram a acreditar em
Jesus Cristo. A consolidação da religião protestante na tribo não é recente.
Veja as imagens da aldeia Kumenê em Oiapoque
Momento do culto na aldeia Kumenê, em
Oiapoque (Foto: Abinoan Santiago/G1)
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Relatos dos indígenas apontam
que a “catequização evangélica” iniciou em 1965, quando um casal de missionários
norte-americanos iniciou o referido processo que teria durado pouco mais de uma
década. Eles teriam usado o argumento de que somente na crença em Jesus
poderiam obter salvação divina.
Momento de
oração de indígena em culto na aldeia Kumenê (Foto: Abinoan Santiago/G1)
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“Os missionários explicaram
pra gente que Jesus era o único salvador e que Deus fez o céu e a terra.
Primeiro não acreditamos muito, mas depois começamos a aceita a palavra e fomos
nos batizando nas águas”, contou o pastor indígena Florêncio Felício, de 55
anos, que desde os 25 anos segue o protestantismo. A aldeia tem apenas uma
igreja evangélica, construída em alvenaria por missionários na década de 1990.
Com a incorporação do
protestantismo o batizado nas águas era uma forma de demonstração da aceitação
de Jesus Cristo. A consagração religiosa implicou em uma série de mudanças no
comportamento dos índios em razão da nova doutrina adotada na tribo indígena. O
ato de batismo era celebrado à margem direita do rio Urukauá, que banha a
aldeia Kumenê.
Dança em
louvor a Jesus Cristo na aldeia Kumenê, em Oiapoque (Foto: Abinoan Santiago/G1)
Uma das primeiras mudanças
refletida na tribo tratou do espaço da comunidade. O cacique Iaparrá relata que
depois da incorporação da religião protestante, as casas dos índios que antes
eram afastadas umas das outras, passaram a ser construídas em distâncias
menores entre si.
“Cada família tinha a própria
aldeia, mas depois dos missionários passamos a viver mais próximos, como se
fosse uma única família”, relatou Iaparrá.
O processo de mudança de
cultura dos índios, conforme conta o cacique, teria se efetivado com a
alfabetização dos nativos em português a partir da construção da primeira
escola dois anos após a chegada dos missionários.
“Aprendemos a falar português
porque era a língua dos brancos e assim também poderíamos nos comunicar melhor
com os missionários”, acentuou Azarias Ioio Iaparrá.
O cacique acrescentou que
apesar de a maioria dos índios saberem o português, a comunicação entre si,
incluindo os cultos, é realizada em dialeto nativo, o palikur. Apenas as
palavras ‘Jesus’, ‘Aleluia’ e ‘Amém’ não tem tradução para a língua indígena
usada na aldeia.
Pastor
indígena de Kumenê Florêncio Felício
(Foto: Abinoan Santiago/G1) |
O pastor indígena da tribo
lembra que entre as práticas culturais combatidas pela religião protestante,
três foram extintas: a circulação de pessoas nuas na aldeia, danças típicas,
feitiçaria de pajés e o caxixi, bebida com teor alcoólico a base de mandioca
fermentada com saliva. As tradições foram trocadas pelos pastores.
Zila Santos, de 47 anos, foi
uma das índias que deixou de realizar os costumes tradicionais. “Eu não bebo e
nem fumo mais. Isso melhorou a minha vida porque antes, quando os índios
bebiam, tinham muitas brigas na aldeia. Depois da igreja, isso não aconteceu
mais”, frisou.
greja
evangélica onde os cultos são celebrados (Foto: Abinoan Santiago/G1)
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Pensamento diferente tem o
indígena Fernando Iaparrá, de 37 anos. Ele diz que saiu da igreja devido a
mudança cultural que ela provocou nos índios que aderem a religião. “Eu gosto
de beber o caxixi. Mesmo não tendo mais na aldeia, sou contra essa proibição.
Por isso decidi deixar”, justificou o índio, que disse ter sido evangélico por
apenas um ano.
Por causa do processo de
mudança cultural, a intenção do cacique Iaparrá lamenta que a tribo tenha
perdido os traços culturais característicos indígena: “Eu vi que a gente não
deveria deixar a nossa cultura, mas já perdemos muitas coisas. Crianças que não
sabem nem dançar, por exemplo”.
No lugar dos ritos tradicionais, os índios tomaram outra atividade para si. Por
três vezes na semana, eles comparecem na única igreja da aldeia para acompanhar
o culto evangélico.
A celebração religiosa começa
as 20h e tem duração de três horas. Ela tem a mesma dinâmica de cultos
realizados fora da tribo, com louvores, leitura de passagens bíblicas e danças
com hinos evangélicos. A única diferença da reunião é que todas as atividades
são na língua materna, inclusive a leitura da bíblia, que é redigida em palikur.
O sonho do sucesso gospel
Os cultos na igreja em Kumenê têm várias bandas que participam durante a celebração. Uma delas é a Missão de Gideão, formada apenas por indígenas. O grupo existe há 20 anos e é um dos mais antigos na comunidade, segundo um dos membros da banda Sofonias Hipólito, de 39 anos.
Os cultos na igreja em Kumenê têm várias bandas que participam durante a celebração. Uma delas é a Missão de Gideão, formada apenas por indígenas. O grupo existe há 20 anos e é um dos mais antigos na comunidade, segundo um dos membros da banda Sofonias Hipólito, de 39 anos.
Ele conta que o grupo musical
é composto por quase dez pessoas, a maioria jovens. Ao longo de duas décadas,
mais de 100 músicas gospel foram compostas na língua materna da aldeia,
conforme cálculo de Hipólito. Veja o vídeo do grupo de jovens
Com tanta música, o integrante
da banda revela que o maior sonho do grupo é sair da aldeia para gravar um
disco em Macapá. “Temos um material autoral que precisamos colocar em um CD. Mas
por causa da dificuldade financeira e distância, ainda não conseguirmos
viajar”, disse.
Além das 20 horas navegando da
aldeia até Oiapoque,
a viagem até Macapá leva mais 12 horas via terrestre com passagem de ônibus ao
preço de R$ 90. “Peço todo dia para Deus nos ajudar a sair da aldeia. Temos
muitos hinos e queremos mostrar nosso trabalho”, concluiu Sofonias Hipólito.
Bíblia
escrita em palikur, língua materna da aldeia Kumenê (Foto: Abinoan Santiago/G1)
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Kumenê
A aldeia Kumenê está localizada na reserva Uaçá, em Oiapoque, extremos norte do
país. Ela é composta por dez vilas às margens do rio Urukauá, que somam 1.963
índios, segundo o cacique Azarias Iapará.
Nas cabeceiras dos rios
Oiapoque e Uaçá, a vegetação é de terra firme, mas seguindo em direção à foz do
rio Urukauá, a vegetação muda, sendo tomada por campos alagados, com algumas
montanhas, que permitem a ocupação humana.
Para chegar
na aldeia Kumenê, em Oiapoque, é necessário viajar mais de 20 horas via fluvial
(Foto: Abinoan Santiago/G1)
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A tribo faz parte da etnia
Palikur, que também possui descendentes na Guiana Francesa. Na
comunidade brasileira, a língua materna é uma das únicas culturas preservada.
Os índios ainda utilizam o dialeto local para se comunicar entre si.
Além do dialeto palikur,
muitos falam ou compreendem o patuá, idioma usado por índios das etnias
Karipuna e Galibi-Marworno.
Em Kumenê, atualmente há
atendimentos da Fundação Nacional do Índio (Funai), com um posto de saúde, e de
uma escola estadual com aulas de até o ensino médio.
Fonte G1
Fonte G1
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