Afetados por complexo
hidrelétrico se capacitam para lutar contra o projeto. Governo desrespeita
direito constitucional e desmarca encontro.
A convenção estabelece que os
povos que tenham seu patrimônio físico e cultural ameaçados por grandes
empreendimentos hídricos tenham acesso a todas as informações sobre os impactos
do projeto e que sua opinião seja ouvida em sua língua de origem, quando e onde
quiserem, por representantes do governo. Antes mesmo do início do licenciamento
das obras.
A lei, entretanto, vem sido
desrespeitada pelo governo brasileiro ao longo de sua história. Para citar
exemplos recentes, as populações atingidas pela construção das hidrelétricas de
Jirau e Santo Antônio (rio Madeira), ou Belo Monte (rio Xingu), nunca foram
consultadas.
Assim, dez organizações se
uniram ao MPF para atender à solicitação do movimento, que nasceu a partir da
compreensão de que o Tapajós livre é fundamental para a manutenção da vida e da
cultura do povo Munduruku.
Durante uma semana, o diálogo
“Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e
comunidades tradicionais da Amazônia” ministrou oficinas sobre a Convenção 169
em três comunidades que vivem às margens do Tapajós. A intenção é que se
capacitassem sobre este direito e formulassem um documento onde estabelecem de
que forma querem ser ouvidos.
Durante uma semana, o diálogo
“Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e
comunidades tradicionais da Amazônia” ministrou oficinas sobre a Convenção 169
em três comunidades que vivem às margens do Tapajós. A intenção é que se
capacitassem sobre este direito e formulassem um documento onde estabelecem de
que forma querem ser ouvidos.
“Vejo com preocupação essa
compreensão da Amazônia como fonte inesgotável de desenvolvimento. Que
desenvolvimento é esse, que não considera os povos da floresta? “Não queremos
que se repita o caos social que se instalou em Altamira, com Belo Monte. Para
onde vai a energia gerada por essas hidrelétricas?”, questiona Camões
Boaventura, procurador da República que representava o MPF junto ao grupo.
Depois de dois dias de
conversas e reuniões traduzidas do munduruku ao português, os participantes
produziram uma proposta de protocolo de consulta na qual expressam formalmente
como e quando devem ser consultados.
“Vamos dar até nossa última
gota de sangue para que as barragens não sejam construídas. Vamos lutar como
sempre fizemos”, sentenciava Paygo Muyatpu (Josias Manhuary), líder dos
guerreiros Munduruku.
Índios e ribeirinhos: a mesma
luta, o mesmo Tapajós
O segundo destino foi a
comunidade de Mangabal, mais precisamente o povoado de Machado, onde uma das
barragens está prevista para ser instalada.
Dezenas de moradores de
Montanha e Mangabal participaram das oficinas, comunidades que há tempos têm
suas terras ameaçadas pelos interesses de grileiros, mineradoras e madeireiros.
Há um ano, entretanto, tiveram seu território garantido como Projeto de
Assentamento Agroextrativista (PAE).
Muitos moradores dizem terem
sido visitados pelo Diálogo Tapajós, projeto das empresas do consórcio
interessado na construção do complexo hidrelétrico. Junto a guardas da Força
Nacional, estes representantes teriam abordado e pressionado para que os
moradores respondessem a um questionário, com assinatura no final, sob a ameaça
de não serem ressarcidos, caso percam suas casas. “Quem é que não assina depois
de ouvir isso? Não entendi nada, mas assinei”, justifica o agricultor Solimar
dos Anjos.
“Já não houve consulta prévia,
uma vez que o Governo Federal lançou edital para o leilão das hidrelétricas
antes de ouvir qualquer grupo. Não foi livre, pois as famílias ribeirinhas já
receberam visitas pressionadoras de consultores das empreiteiras interessadas
no projeto. E não é informada, quando ninguém teve suas dúvidas esclarecidas”,
pontua Dr. Camões.
Em dois dias de oficinas,
conversas, relatos e troca de experiências fortaleceram o sentimento de união
das comunidades. Ao final do trabalho, a comunidade também finalizou sua
proposta de protocolo de consulta. “Me sinto respaldada. Foi importante saber
de nossos direitos, agora estamos mais unidos e confiantes na luta contra as
barragens”, disse a ribeirinha Tereza Lobo.
A última etapa foi na Aldeia
Praia do Mangue, na cidade de Itaituba, Médio Tapajós. Na área vivem cerca de
130 Mundurukus.
“Minha aldeia será
completamente alagada. A gente não dorme mais. Fico pensando no futuro, como
vamos sobreviver? Aqui está a nossa história, o nosso cemitério. Vai acabar
tudo”, lamenta Juarez Saw Munduruku, cacique de Sawré Muybu, a aldeia mais
atingida, onde hoje vivem cerca de 150 pessoas.
Encontro cancelado: desânimo e
incerteza
Os documentos formalizados
como resultado das oficinas, onde as populações estipulam, conforme a lei, como
devem ser ouvidos, seriam entregues a representantes do governo federal em um
encontro marcado para os dias 05 e 06 de novembro, na aldeia Sai Cinza, em
Jacareacanga, Pará.
O Governo Federal, entretanto,
mais uma vez desperdiçou a oportunidade de construir um processo democrático e
inédito na história do País, dando continuidade a sua vexatória e desrespeitosa
política social para com os povos tradicionais e indígenas. Às vésperas da data
marcada, não só cancelou o encontro, como na declaração de Nilton Tubino,
coordenador geral dos Movimentos do campo da Secretaria geral da presidência da
República, afirmou que não atribui o direito de consulta prévia às comunidades
ribeirinhas, por não se tratarem de população indígena.
Em recente petição, o MPF pede
para que se cumpra a lei. “Que todas as comunidades tradicionais (sejam elas
indígenas ou tribais) situadas na bacia hidrográfica em que se pretende a construção
da UHE São Luiz do Tapajós, sejam consultadas, já que a Convenção nº 169/OIT já
foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como uma norma de status
supralegal”.
Em entrevista publicada hoje pela BBC, o chefe da
Secretaria-Geral da presidência, o ministro Gilberto Carvalho, declarou: “Não
abriremos mão de construir Tapajós”.
Rio da Vida
Para os Munduruku, Tapajós
significa “rio da vida”. Com 795 km de extensão, a imensa massa de água
azul-esverdeada é o último rio que ainda permanece livre dos empreendimentos
hidrelétricos na Amazônia.
Cerca de 120 aldeias tiram sua
subsistência de suas águas e de seus afluentes. Ao lutarem pela preservação do
rio, essas pessoas lutam também por suas vidas.
“Nós humanos ainda podemos ser consultados, mas e os peixes, os animais da floresta e as aves? Eles não têm como dar sua opinião”, analisa Kababi Muy’bu, (Ademir Kaba), antropólogo formado pela Universidade Federal do Pará.
“Nós humanos ainda podemos ser consultados, mas e os peixes, os animais da floresta e as aves? Eles não têm como dar sua opinião”, analisa Kababi Muy’bu, (Ademir Kaba), antropólogo formado pela Universidade Federal do Pará.
Camões Boaventura resume um
sentimento geral na região. “Vejo no olhar dos amazônidas o ressentimento em
ter seus recursos naturais explorados para servir ao restante do País”.
Enquanto isso, as crianças de Waro Apompu, Machado e Praia do Mangue seguem nadando nas águas livres do Tapajós, onde as barragens pairam como ameaças cada vez mais próximas e reais.
Enquanto isso, as crianças de Waro Apompu, Machado e Praia do Mangue seguem nadando nas águas livres do Tapajós, onde as barragens pairam como ameaças cada vez mais próximas e reais.
O diálogo “Consulta prévia,
livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e comunidades
tradicionais da Amazônia” é formado por integrantes do Ministério Público
Federal (MPF) e das organizações FASE (Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional) , Artigo19, Tapajós Vivo, Movimento Xingu Vivo,
International Rivers, Projeto Nova Cartografia Social, FAOR (Fórum da Amazônia
Oriental), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Amazon Watch, além do
Greenpeace Brasil e Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do
Pará (UFPA).
* Publicado originalmente no site Greenpeace.
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