A mudança comportamental que
as redes sociais estão impondo às pessoas já causou reflexões no meio
religioso. O advento do Facebook e os costumes que ele impõe aos seus usuários
já foram motivos suficientes para inspirar a cantora Suellen Lima a sugerir,
com a música “Sai,
Sai do Facebook”, que o crente deva gastar menos tempo com “curtidas” e
mais com oração. Agora, há quem tenha proposto imaginar o contrário: falar com
Deus através do Face.
O teólogo Mauricio Zágari
publicou artigo em que sugere um exercício de criatividade para imaginarmos
como seria se Deus tivesse uma página na rede social e resolvesse agir e falar
apenas através dela.
“Deus, certo dia, decide que
precisa ingressar na pós-modernidade e criar um perfil no Face, para não ficar
deslocado. Claro que isso traria uma mudança na forma de Ele se relacionar com
a humanidade, pois, se essa página de web conseguiu mudar a forma de milhões de
pessoas se relacionarem umas com as outras, por que não mudaria também a do
Todo-Poderoso?”, questiona o escritor.
Segundo Zágari, a fanpage de
Deus poria um fim às vigílias de oração e cultos de louvor, pois bastaria
“curtir” uma publicação d’Ele para praticar a versão século XXI do “vigiai e
orai sem cessar”.
“Para começar, acabariam as
orações e a leitura da Bíblia. Porque esses são os meios que Deus criou para
ter relacionamento e criar intimidade com a humanidade: nós falamos com Ele
pela oração; Ele fala conosco pela Palavra. Mas, com o Face, isso não ocorrerá
mais. Oração e Bíblia tornam-se meios antiquados de dialogar. O Senhor
decretaria, então, que quem quisesse falar com Ele teria de mandar um scrap e
esperar que o Altíssimo postasse uma resposta na linha do tempo. Jeová agora
seria um de nós, trocando ideias on-line: um Deus da moda, antenado. Claro que
isso nos afastaria d’Ele, tornaria nossos contatos muito menos pessoais, mas…
quem se importaria? Com o advento das redes sociais, em grande parte as pessoas
já não se telefonam mais mesmo, não se visitam mais, não mandam cartões no
Natal, fazem tudo pelo Face: convites de aniversários, marcação de encontros,
votos de parabéns em datas festivas… não se gasta mais tanto tempo conversando,
afinal. É só postar umas palavrinhas ali e está resolvido”, afirma, crítico, o
teólogo.
Mauricio Zágari diz ainda que
“outra vantagem da adesão do Divino ao Face seria que, finalmente, Deus não
precisaria se dedicar muito tempo a longos processos de transformação na vida
de uma pessoa: bastaria postar uma frase de efeito”. A proposta do Evangelho,
ao final, seria simplificada, ironiza o autor: “Jesus fez grandes discursos
para dizer o que queria quando caminhou sobre a terra, mas, agora, basta pegar
uma daquelas frases feitas de famosos, emolduradas num visual legal, e postar.
Assim, o Todo-poderoso não levantaria profetas, mas postaria uma frase de
Cazuza ou Clarice Lispector, dizendo algo como ‘Você foi feito para voar, abra
as asas e se lance no vazio’. Ao ler isso, sua vida nunca mais seria a mesma”
Ao encaminhar seu texto para a
conclusão, Zágari destaca a importância das relações humanas e lamenta que as
redes sociais da internet contribuam para o esfriamento desse contato: “Estar
face a face é uma necessidade do cristão. Já estar no Face… sei lá, em dois mil
anos de cristianismo não me parece ter sido tão essencial assim. Apesar de o
marketing da empresa Facebook ter conseguido convencer as multidões de que não
estar no Face é algo como não fazer parte da raça humana, isso não passa de
propaganda enganosa. Como neste mundo o capitalismo, em geral, vence os bons
argumentos, o Facebook e as redes sociais são um fenômeno de nossos tempos e
devem durar ainda um bom período – quem se importa se o Face desumaniza as
relações se, em um trimestre, seu faturamento com publicidade chega a US$ 1,24
bilhão? Enquanto o dinheiro entra, não se costuma fazer muitos questionamentos.
E não será um blogueiro como eu que mudará isso”.
Por fim, a necessidade de
estar com o semelhante é exaltada pelo autor como algo saudável: “Voz. Cheiro.
Olho no olho. Lágrima. Sorriso. Abraço. Beijo. Carinho. Desculpem, não quero
perder nada disso, porque ser gente que se relaciona com gente, que toca gente,
que sente calor humano… é bom demais. E tudo o que nos rouba qualquer uma
dessas coisas arranca um pedaço daquilo que faz de nós seres criados à imagem e
semelhança de Deus”.
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